Enviado sab, 02/11/2013 - 10:57 por Campo de Debate...
Por Guilherme Santos Mello
A partir de agosto de 2011 até abril de 2013, o Brasil vivenciou uma profunda transformação no patamar de dois de seus preços macroeconômicos centrais: Na taxa de juros, chegou-se em 2012 ao patamar de 7,25% a.a., com juros reais beirando 1% a.a. No câmbio, a alteração no patamar dos juros abriu espaço para a desvalorização cambial, que pretendia melhorar as condições de competição da indústria nacional. Essa rápida mudança no patamar destes dois preços fazia parte do imaginário de boa parte dos economistas heterodoxos e era tido por alguns como fator central para desencadear uma nova onda de investimentos produtivos.
Os efeitos de tal transformação, no entanto, não foram propriamente os esperados. Em meio a um cenário econômico internacional recessivo e altamente competitivo, a desvalorização cambial se mostrou insuficiente. Da mesma forma, a queda nas taxas de juros não foi suficiente para criar um ciclo de crescimento sustentado dos investimentos, mesmo diante da redução no custo de capital, no custo da energia elétrica e de desonerações tributárias e fiscais. Além disso, observou-se um recrudescimento do processo inflacionário no final de 2012 e início de 2013, juntamente com uma deterioração nos indicadores fiscais. Ouriçados, os acólitos liberais e a nata das finanças nacional e internacional se apressam em decretar o fracasso do projeto desenvolvimentista do governo Dilma. Uma onda de pessimismo e críticas ao intervencionismo Estatal tomou conta do debate econômico, afetando diretamente as expectativas dos agentes privados e auto-realizando parte das teorias apocalípticas ora em voga.
Na realidade, a inflação não fugiu ao controle, sendo que sua elevação pontual se deveu a fatores exógenos, originados no lado da oferta. A alteração da estratégia econômica também não representou uma ruptura com o “tripé macroeconômico”, sendo apenas um ajuste em sua forma de implementação. Passou-se a utilizar outros instrumentos além da taxa de juros para realizar o controle da inflação e criou-se mecanismos de regulação do mercado de câmbio, impedindo que pressões especulativas valorizassem artificialmente nossa moeda. Do ponto de vista fiscal, a política de obtenção de superávits primários foi flexibilizada, sendo agora possível oficialmente abater da meta os investimentos realizados pelo governo no período. As metas de inflação e flutuação cambial ainda fundam o arcabouço teórico que orienta o regime macroeconômico atual, mas as formas de gerir estas políticas se alteraram, dando maior flexibilidade ao sistema.
Para além das rasas críticas liberais, eivadas de pura ideologia, a análise do atual momento histórico e da política econômica do governo Dilma só pode ser feita caso se leve em consideração a economia política do período. Após décadas de taxas de juros irreais, o conjunto do empresariado brasileiro, seja ele produtivo ou financeiro, imiscui-se em atividades puramente rentistas, se valendo da certeza de ganhos elevados em investimentos seguros e de elevada liquidez. A queda da taxa SELIC representou, para a maior parte dos empresários, um “incentivo à incerteza”, forçando-os a ampliação do investimento em atividades mais arriscadas. No entanto a mudança abrupta na rentabilidade do capital gerou o efeito oposto na maior parte dos empresários, levando-os a adotar uma estratégia defensiva, voltada para seu core-businness, cortando custos e investimentos para obter o retorno às taxas de rentabilidade anteriores. Mesmo diante da redução dos custos produtivos e da desvalorização cambial, a reação inicial defensiva do empresariado represou a taxa de crescimento da economia brasileira, que já vinha sendo afetada pela queda no investimento público e pela crise internacional.
Diante da crescente pressão rentista e do espraiamento do pessimismo para o conjunto relevante dos agentes econômicos, o governo recuou de sua estratégia inicial: voltou a utilizar a taxa de juros como principal mecanismo de combate a inflação, anunciou um reforço no ajuste fiscal para 2013, a diminuição da capitalização dos bancos públicos e comprou para si o discurso de manutenção do tripé macroeconômico como fundamento de uma política econômica sólida. Este recuo não necessariamente significa a adoção da saída liberal-conservadora para pensar o desenvolvimento futuro da economia brasileira. Ele apenas indica que uma nova formulação acerca da estratégia adotada para consolidar o projeto “desenvolvimentista” é necessária, ou seja, é preciso criar uma nova estratégia que coadune o ajuste perene dos preços macroeconômicos em conjunto com a adoção de uma política de investimentos público/privados que vá além dos incentivos fiscais recentes.
Doutor em economia pela Unicamp e membro do CECON/IE- Unicamp
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