O canto de sereia da Selic
Enviado por luisnassif, ter, 02/04/2013 - 08:00
Autor:
Luis Nassif Trava-se um jogo pesado em torno da taxa Selic.
O aumento da Selic é ruim para a economia, para as grandes empresas anunciantes de jornais, para o emprego e para os investimentos. Beneficia a tesouraria, especialmente dos grandes bancos de investimento que deverão desempenhar papel relevante na reestruturação de capital de grupos de mídia.
São perfeitamente mensuráveis os ganhos desses grandes grupos com meio ponto a mais de Selic . Apenas isso pode explicar o terrorismo reiterado em relação à inflação, sustentando manchetes diárias e até identificando "sinais de hiperinflação" em um índice que está em 6,5% ao ano e tende a cair nos próximos meses.
***
O futuro grande impasse econômico é de outra ordem: a produção interna não consegue acompanhar o aumento do consumo devido, fundamentalmente, ao fator câmbio.
Tem-se um mercado de trabalho aquecido, salários ainda crescendo, mas o aumento do consumo sendo absorvido por exportações, gerando déficits crescentes nas contas externas. A médio prazo, tem-se um quadro insustentável.
***
As empresas investem em função dos seguintes fatores:
1. Demanda assegurada.
2. Taxa de retorno superior ao custo de oportunidade.
O objetivo maior do aumento da Selic seria (teoricamente) reduzir o consumo. Quebraria o primeiro pilar para novos investimentos.
O efeito colateral seria elevar o custo de oportunidade, levando as empresas a eliminar todos os investimentos que não apresentem perspectivas de rentabilidade superiores às da Selic.
Mais ainda.
O efeito imediato do aumento da Selic seria atrair dólares especulativos, apreciando mais o câmbio, barateando mais as importações e, consequentemente, acelerando ainda mais a deterioração das contas externas.
Em suma, tem todas as contraindicações e nenhuma indicação positiva. Se o caminho fosse, de fato, desaquecer o consumo, o Banco Central dispõe de um arsenal muito mais efetivo e sem contraindicações - como restrições ao crédito e aumento do compulsório.
***
A criação do grande mercado de consumo interno criou uma enorme oportunidade e um imenso risco. A oportunidade será a de abrir espaço para a oferta interna de bens e serviços, completando o ciclo de consumo-investimento da economia. O risco é da produção não acompanhar o consumo, gerando desequilíbrios externos e o esgotamento do modelo econômico.
Apenas uma grande desvalorização cambial resolverá esse nó górdio.
De um lado reduzirá o consumo de produtos importados, preservando o espaço para os produtos nacionais. Haverá uma queda inicial no poder de compra dos salários que será compensada, no momento seguinte, pela recuperação da produção e do emprego internos.
Seguirão alguns meses de inflação, que terão que ser enfrentados de forma severa até os preços de estabilizarem e o país rumar para novo patamar. Ai se terá entrado definitivamente na rota do crescimento sustentado.
Mas certamente não será tarefa para um ano pré-eleitoral.
O país atravessou 8 anos de FHC, 8 anos de Lula e, provavelmente, 4 anos de Dilma, com o câmbio demolindo a estrutura industrial.
Como candidata favorita à sua reeleição, seria conveniente que, desde já, o governo Dilma começasse a incluir o câmbio na estratégia do segundo mandato.
___________________________________________________________________________________
Do Valor
Economia versus política
Antonio Delfim Netto
Nossa política econômica enfrenta um dilema extremamente sério. Deve elevar, ou não, a taxa de juros real para gerar algum desemprego e, assim, reduzir a perturbadora taxa de inflação, que teima em namorar com o limite superior da meta inflacionária? Por um lado, é claro que se trata de um desequilíbrio entre a oferta e a demanda globais, que poderia ser minorado pela redução da demanda pública. Por outro, não é menos claro que, ainda que estejamos com um baixo grau de desemprego, a economia está crescendo muito pouco e abaixo da sua capacidade.
Isso fala a favor de uma estagnação da produtividade total dos fatores, produzida pelo aparentemente passageiro choque de oferta da agricultura, pelo evidente problema estrutural do mercado de trabalho, pela mudança induzida pela taxa de câmbio no comportamento dos setores industrial e de serviços e pela visível deterioração da infraestrutura que há três décadas esteve abandonada.
Ainda que a relação empírica entre taxa de desemprego e a taxa de inflação seja pouco precisa ela é, em geral, negativa. Isso sugere que a resposta da demanda global e da oferta global ao aumento da taxa de juros real seria no sentido de reduzir as duas, produzindo menor taxa de inflação, menor PIB e maior desemprego.
A política monetária não é independente das consequências sociais
Devido à complexidade do nosso problema inflacionário, à visível volatilidade da economia mundial, à esperança de que o choque de oferta da agricultura seja corrigido pelo menos em parte pela nova safra e diante do enorme custo social da medida, é compreensível a atitude de cautela da autoridade monetária. O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central não pode e não deve apressar-se, mas deve estar preparado para implementá-la. É preciso lembrar que a redução permanente da taxa de inflação no Brasil para limites civilizados está longe de poder ser resolvida apenas pela manipulação da taxa Selic. Exige uma ação coordenada de todo o governo e o suporte de toda a sociedade na redução dos benefícios ilegítimos de que se apropriaram amplos grupos dos setores público e privado.
Estamos vivenciando um problema antigo, que põe em confronto a economia, ou seja, medidas econômicas razoavelmente apoiadas em construções teóricas e pesquisas empíricas, e os problemas do seu custo social, de que cuida a política no sentido geral. Isso se deve ao fato de que a economia é uma disciplina que esconde suas incertezas com letras gregas e apresenta rigor matemático, mas que, no fim e ao cabo, continuam incertezas...
Quando contratamos um competente engenheiro para projetar uma ponte com um dado coeficiente de ignorância, sabemos que ela vai dar conta de sua função despachando o tráfego estimado. O processo termina com sucesso, sem que seja necessário consultar o cimento, a areia, o ferro que conformaram a ponte. Quando a sociedade entrega a política monetária ao mais competente de seus economistas, cujo domínio sobre a disciplina é indisputado, o problema é mais complexo.
As regularidades econômicas não são invariantes no tempo como as leis da física (seu mundo não é ergódico). e os objetos de sua ação não são ponto sem dimensão num espaço topológico. São indivíduos que aprendem, protestam, reagem e no fim, votam! A ponte é uma obra morta e segura. A política monetária é um jogo vivo, dinâmico e sujeito às fraquezas de ambos os atores. Isso sugere que ela não é, e nem pode ser, independente das suas consequências sociais, que são objeto da política em geral e, nos regimes democráticos, da urna, em particular...
Como é evidente, nem a solução proposta por assessores econômicos, que aviam as receitas sem consideração dos seus custos sociais, defendida por economistas que se supõem portadores de uma "ciência monetária", nem as propostas "sociais" sustentadas por mal disfarçada ideologia, que ignoram as relações econômicas (por mais imperfeitas que sejam), podem levar à construção de uma sociedade civilizada e eficiente.
Essa questão acaba de receber a contribuição de dois brilhantes economistas. Eles estão construindo uma compreensão mais abrangente do desenvolvimento econômico e social, incorporando à economia a história, a geografia, a antropologia, a sociologia, a psicologia e a política, em modelos simples e quantificáveis. O último artigo da dupla Daron Acemoglu-James Robinson ("Economics versus Politics: Pitfalls of Policy Advice", Fev., 2013) é rigorosamente imperdível.
O objeto do artigo pode ser resumido na proposição que "a análise econômica deve identificar, teórica e empiricamente, as condições sobre as quais a política e a economia entram em conflito e, então, avaliar as ações da política econômica levando em conta tal conflito, junto com as potenciais reações às quais ela levará".
Como em todos os seus trabalhos, os argumentos são sofisticados e logicamente construídos. Mostram que nem sempre, apesar de ser consenso entre os economistas, "a redução ou remoção das falhas e distorções do mercado deve ser recomendada". Como argumentam no artigo, "essa conclusão é muitas vezes incorreta, porque ignora a política"... e... "reformas econômicas executadas sem um amplo entendimento das suas consequências, em lugar de promover a eficiência, podem reduzi-la significantemente".
Não deixem de ler a convincente análise do papel dos sindicatos (que os economistas consideram uma "falha de mercado" e combatem) na construção do processo democrático.
Bom apetite!
Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras
__________________________________________________________________________________
Da Carta Maior
Os comedores de quindins de ouro
Saul Leblon
São graúdos, e contabilizáveis, os interesses que arrendam espaços e gargantas para vocalizar a luta diuturna pela alta dos juros no país.
O pleito está marmorizado em cada centímetro da menos imparcial de todas as seções do jornalismo: o noticiário de economia. Daí se irradia para afinar o jogral de vulgarizadores e agregados de orelhada e holerite.
A centralidade que une as tropas é compreensível. Trata-se de uma queda de braço decisiva.
Os sabichões que advogam a panaceia do ‘novo ciclo de alta’ da Selic sabem do que estão falando. E não estão falando apenas em adicionar mais 0,25% às taxas atuais, na reunião do Copom, do próximo dia 17.
Isso até pode acontecer. Mas não é esse o alvo, nem a dose cogitada.
O braço de ferro é para reverter um reordenamento estratégico.
É a história do país, estúpido!
É disso que se trata, embora eles dissimulem o seu lado na encruzilhada brasileira em versões amigáveis ao interesse da sociedade.
De ‘toda’ a sociedade.
Ou não seria o choque de juros o melhor protetor para os males da Nação, um Biotônico Fontoura que combate preços, maleita e bicho de pé?
Fatos.
A pátria rentista não admite que a prioridade do sistema econômico deixe de ser a que sempre foi, desde os anos 90, até o colapso de 2008.
Qual seja, a reprodução do capital fictício a taxas de retorno as mais elevadas de toda a economia, sem condicionalidades de qualquer natureza.
Exceto o lacre inoxidável da liquidez total, com risco zero.
É nessa espécie de platô marciano, comparado ao relevo habitado pelos que lutam com as incertezas da sobrevivência e da produção, que vive uma plutocracia rentista que acha normal pagar , como lembra o insuspeito jornal Valor, R$ 115 reais por um prato de comida.
Ou R$ 15 por um prosaico quindim, nos restaurantes dos Jardins, em São Paulo.
Os comedores de quindim de ouro dispunham, no final do ano passado, de nada menos que R$ 527 bilhões sob os cuidados de ‘private bankings’. Gerencias especiais, ligadas ou não aos bancos, que cuidam da gestão de grandes fortunas, pessoais ou familiares.
O saldo é oficial, divulgado pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). O número é reiterado pelo mencionado jornal Valor.
Convém situa-lo no mundo das grandezas.
O valor é maior do que todo o investimento previsto pela Petrobrás em seu plano quadrienal para triplicar a produção do pré-sal até 2017 e atingir um milhão de barris/dia.
Esse é o tamanho do canhão dirigido contra uma política econômica tratada, em tom derrisório, como ‘desenvolvimentista'.
E essa é apenas a parte declarada do paiol que alimenta manchetes alarmistas e teclados prestativos.
O saldo submerso abriga-se em sigilos abissais.
Mas há gente que cavouca inconveniências em todos os lugares, mesmo os mais blindados.
A Tax Justice Network (‘rede de justiça fiscal’) é uma organização britânica especializadas nesse tipo de garimpo.
Seu relatório de 2012 estima que, entre 1970 e 2010, os endinheirados brasileiros acumularam depósitos da ordem de US$ 520 bilhões em contas mantidas em paraísos fiscais.
O valor, equivalente a R$ 1 trilhão de reais, garante à turma verde-amarela o 4º lugar no ranking dos maiores clientes dos ‘offshores’ do planeta. Chineses, russos e sul-coreanos lideram a fila.
É um desempenho robusto.
O PIB do país em 2012 foi da ordem de US$ 2,5 tri. A evasão flagrada pela Tax Justuce equivaleria assim a 1/5 de toda a riqueza anual acrescida à vida da sociedade.
Juro alto, liquidez imediata e risco zero são imiscíveis com o investimento pesado em infraestrutura e expansão industrial que o governo busca induzir.
Nos últimos três anos – reconheça-se, incentivado pela valorização do câmbio que descartou o investimento industrial, abalroado ainda pelo juro alto – a indução se deu no sentido oposto.
De 2009 ao final de 2012, o volume de recursos direcionado aos private bankings cresceu mais de 80% .
Saltou de R$ 291 bi para os mencionados R$ 527 bi, conforme a Anbima.
Nessa trincheira do ganho fácil reina inquietação nesse momento.
O pasto anda baixo. O governo Dilma ceifou o capim rentista trazendo-o à taxa real de juros mais baixa da história recente.
Com o soluço da inflação nos últimos meses, a dinheirama estabulada nesses piquetes de engorda, antes generosos, começa a perder peso em termos reais, descontada a variação dos preços.
Ninguém está sendo empurrado para o matadouro. Ao contrário.
O que o governo Dilma busca é induzir o dinheiro ocioso a galopar dos retiros rentistas para os campos indivisos, onde o aguardam as grandes fronteiras do investimento brasileiro neste início de século 21.
Insuflados por bicos longos e teclados ortodoxos, os rentistas evocam a prerrogativa de continuar comendo seu quindim de ouro, servidos pelo mesmo cardápio suculento. Sem sair do lugar.
A ver.
Nenhum comentário:
Postar um comentário